12 de dezembro de 2014

enfrentando a Alemanha (parte I)

Ultimamente, quando eu conto a alguém sobre a minha mudança pra Europa, a primeira pergunta é: Mas por que Alemanha?. Eu acabo dizendo simplesmente que é porque eu queria experimentar um lugar novo (e é muito disso também), mas a verdade é que o que está por trás de tudo isso é beeem mais complexo. Quer saber? Então senta que lá vem a história:

Em 2010 eu fui para a Suíça passar cerca de três meses como voluntária numa base da JOCUM (você vai ver muito essa sigla nas minhas histórias. Clique aqui se quiser conhecer mais). Antes mesmo de ir, eu disse para meus pais que, se tivesse uns dias livres por lá, eu queria ir pra Berlim. Eu sempre fui apaixonada por História, então conhecer a capital alemã era um super sonho! A ida para a Suíça seria minha primeira viagem sozinha, e eu queria ir pra Alemanha sem companhia também. Minha mãe não gostou nada da ideia e até tentou me convencer dizendo que pagaria pra eu levar quem eu quisesse lá da base. Mas eu tava obstinada - eu sou geralmente bem teimosa, na verdade.

Depois do segundo mês trabalhando, tomei coragem e pedi dois dias ou três dias de folga, que me foram concedidos sem eu precisar dar nem uma choradinha. Comprei a passagem quase "escondida" com papai como cúmplice e dei a notícia pra mamãe: eu estaria em Berlim de 13 a 15 de abril. Sozinha. Me diverti agora ao encontrar o email que mandei pros meus pais, contando do plano original:


Os dois primeiros dias em Berlim foram ótimos. Eu estava apaixonada por tudo o que via e por estar ali, na minha primeira aventura completamente sozinha. Andei demais - principalmente a pé e de bicicleta - e deixei muitas lágrimas no Museu The Story of Berlin, que conta a história da cidade (e me deixou em frangalhos, obviamente, ao relatar e retratar o horror das guerras mundiais). Quando eu penso na capital alemã, eu penso em uma cidade que luta pra se erguer deixando um passado muito obscuro pra trás. É linda, mas sombria. Os alguns prédios pintados com cores fortes tentam trazer uma atmosfera de mais alegria para a cidade. Uma alegria em construção.



Dia 15 chegou e eu estava triste em já ter que ir embora. Mal sabia eu o que me aguardava... 

Cheguei no aeroporto com tempo de sobra e fui pra área de embarque pensando que eu tinha que voltar pra Berlim! Enquanto a cabeça voava, entrei na fila pra avião, com o cartão de embarque em mão. Em um segundo, estávamos em fila. No momento seguinte, uma movimentação atordoante. Pessoas correndo e reclamando - e ninguém se prestando a dar explicações pra uma coisa de 19 anos e 1,54m. Em horas como essa eu queria ser um cara fortão de 1,90m. Queria só ver se alguém ia se negar a me dizer alguma coisa. Desse voo, eu só fiquei mesmo com o cartão de embarque.


O porquê do cancelamento eu só fui descobrir cerca de uma hora depois, quando um atendente do aeroporto explicou que um vulcão na Islândia havia entrado em erupção, emitindo cinzas e fragmentos que em pouco tempo fecharam o espaço aéreo europeu. Não conseguia parar de pensar que a Islândia nunca dá sinal de vida. E quando resolveu dar, foi pra complicar a minha! Seguindo a movimentação, fui pro hotel que a companhia aérea reservou para seus passageiros. Chi-que-ré-si-mo.


Depois de uma fila gigante, consegui fazer o check-in. Sentei na minha cama e contabilizei minhas provisões: eu havia usado exatamente todas as minhas roupas (tenho essa mania de levar números exatos), tinha jogado minha escova de dente fora no caminho pro aeroporto, não havia levado meu computador e tinha uns 10 ou 20 euros comigo. Detalhe: a previsão de reabertura do espaço aéreo era de até três semanas. Tentando esquecer a situação desesperadora em que eu me encontrava, fui tomar um longo banho e li a Bíblia antes de dormir. O trecho era este:

Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo,
por meio de quem obtivemos acesso pela fé a esta graça na qual agora estamos firmes;
e nos gloriamos na esperança da glória de Deus.

Não só isso, mas também nos gloriamos nas tribulações,
porque sabemos que a tribulação produz perseverança;

a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança.
E a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações,
por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu. - Romanos 5:1-5

Lembro exatamente que, ao terminar de ler, pensei: pronto. Foi isso! Foi só uma provinha de perseverança. Amanhã ta tudo certo. [#sabedenadainocente] Fui dormir tranquila, e acordei por volta das três da manhã. Meu despertador foi o alarme de incêndio mais apavorante que eu já ouvi, com uma voz feminina que, num tom de urgência, dizia para todos deixarem seus pertences e evacuarem o prédio imediatamente. Ótimo. Eu olhei pras minhas poucas coisas e decidi agarrar somente o despertador. De pijama mesmo, agarrei meu passaporte e a carteira, coloquei o casaco por cima, desci os cinco lances de escada até o lobby e entrei na fila pra sair do hotel. Quando me vi lá fora, um vulto passou por mim. Olhei e vi isso:


Sério, gente! Só não tinha a maçã. Mas uma vovozinha exatamente com essa cara e com esse capuz apontou para mim com sua mão tremendo e repetia sem parar - gritando com uma voz assustadoramente rouca - "outside! outside!". Ela provavelmente não falava inglês e havia gravado apenas essas palavras do alarme de incêndio. Por um momento eu nem considerei qual seria o motivo do alarme. Tudo o que eu queria era ficar longe da versão real da bruxa da Branca de Neve. (Depois vi algumas pessoas se aproximando dela e percebi que ela estava desesperada porque havia se perdido da família.)

Eu e os outros hóspedes ficamos aglomerados lá fora na frente do hotel, que já estava isolado por uma fita, deixando todos a uma distância de segurança. Na madrugada fria, ficamos esperando o fogo subir. E nada. Nada... Finalmente, o gerente apareceu e comunicou a todos em inglês: Pedimos desculpas, mas esse incidente foi causado por um hóspede que fumou em um quarto com detector de fumaça. Gente, sem brincadeira, até hoje eu tenho a necessidade de dar um soco na cara dessa pessoa, só pelo pavor que ele me fez passar.

Com um misto de raiva e medo, tremendo, voltei pro quarto e olhei fixamente para o alarme, sussurrando pra ele: por favor, não toca. Não toca! Dormi e acordei mil vezes, e quando acordei pro café da manhã, já um pouco tarde, comi as migalhas que os outros hóspedes haviam deixado. Acho que o hotel não estava contando que receberia tanta gente naquela madrugada, e a comida não foi suficiente. Eu sabia que não tinha dinheiro pra comer na rua, aquele café seria minha única refeição até o jantar - também fornecido pelo hotel.

É incrível como o virar daquele noite pareceu ter transformado as pessoas e a cidade pra mim. Eu só topava com gente estúpida, incluindo muitos que se recusavam a dar informações em inglês e um princípio de assédio em uma estação de metrô meio vazia. Que medo de Berlim. Eu só queria sair dali. Passei horas e horas na estação central de trem pra comprar uma passagem de volta para a Suíça, e quando finalmente chegou minha vez de ser atendida, fui informada que não havia saldo nenhum no meu cartão de débito e que o de crédito não estava funcionando.

Respirei fundo e paguei com dor no coração por um cartão telefônico pra ligar pro meu pai, que pra minha alegria estava em casa, de férias. Eu havia dado notícias pra eles de manhã, pelo computador do hotel, fazendo um esforço descomunal pra dar a impressão de que eu estava tranquila e com tudo sob controle (eles não sabiam, por exemplo, que eu estava sem roupas e sem dinheiro. Nem o incidente do alarme eu contei). O telefone tocava lá em casa:

- Alô?
- Pai?
- Oi, meu amoooor! Como está tudo?
- Pai, eu fui agora tentar comprar minha passagem de trem e descobri que meus cartões não estão funcionando. Eu não tenho dinheiro nenhum, e...

Pronto. Desabei em um choro inconsolável, no meio da rua.

continua amanhã